ANAIS
Prof. Dr. phil. Antonio Alexandre Bispo
Processos Transatlânticos
Estudos Culturais e Musicologia
INSTITUTO DE MUSICOLOGIA DA UNIVERSIDADE DE COLONIA
ACADEMIA BRASIL-EUROPA -ABE
INSTITUTO DE ESTUDOS DA CULTURA MUSICAL DO MUNDO DE LÍNGUA PORTUGUESA (ISMPS)
2006
em sequência a diálogos no
The Graduate Center der City University of New York - CUNY - 2005
Processos Transatlânticos sob o aspecto musicológico foi tema de programa aulas (Vorlesungen) no Instituto de Musicologia da Universidade de Colonia no semestre de verão de 2006.
O curso foi motivado por diálogos conduzidos no The Graduate Center da City University of New York CUNY em 2005, assim como anteriormente no Center of Latin American Studies da University of California, Berkeley. Neles considerou-se como oportuno a realização de um curso ou seminário dedicado à música em relações transatlânticas numa universidade alemã. Nesse evento deveriam estar envolvidos também instituições e pesquisadores de países que também foram no passado ou fossem no presente por relações transatlânticas. Essas relações, resultantes de expansões à era dos Descobrimentos, da imigrações no decorrer dos séculos ou de outros fatores, deveriam ser consideradas a partir dos respectivos contextos, posições e perspectivas.
Como já salientado em 1983 no Forum de Música realizado pelos 300 anos de Emigração Alemá à América, os processos transatlânticos não podem ser considerados apenas a partir daqueles teuto-americanos, devendo considerar também aqueles de outros contextos europeus, assim como as suas interações com processos interamericanos e transpacíficos.
Entre esses diferentes contextos que devem ser considerados em estudos culturais do transatlantismo salienta-se Portugal. O atlântico, as viagens oceânicas e as relações com o Brasil constituem objeto permanente de considerações, desempenhando um papel de particular relevância nos estudos, intercâmbios e múltiplas iniciativas culturais portuguesas, o que se expressas.numa vasta literatura.
O estudo de processos transatlânticos nas suas contextualizações e interações vem ao encontro da orientação teórica dirigida a processos da Academia Brasil-Europa (ABE) e do Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de LÍíngua Portuguesa (ISMPS).
Um curso dessa natureza retomava estudos e debates do Fórum de Música Alemanha/EUA realizado em 1983 com o apoio da Embaixada dos EUA, da escola americana de Bonn.
Momentos - transatlantismo e música
1983. Fórum de Música Alemão-Americano/Semana da Escola de Música. 300 anos de emigração alemã. Apoie a Embaixada dos EUA/Escola Americana em Bonn. Leichlingen
1983. Simpósio Internacional. Universidade Católica da América. Washington DC
1985. Projeto Música na Vida do Homem - MLM - do Conselho Internacional de Música/UNESCO. Reunião regional para a América Latina e o Caribe na Cidade do México
1987. Projeto Música na Vida do Homem - MLM - do Conselho Internacional de Música/UNESCO. Reunião regional para a América Latina e o Caribe em São Paulo
1992. Colaborações com Robert Stevenson, Univ. Santa Bárbara/Califórnia na preparação do II Congresso Brasileiro de Musicologia pela passagem dos 500 anos do Descobrimento da América
2001. Diálogos na Biblioteca Nacional e no Conservatório Nacional de Cuba em Havana
2001. Observações e diálogos no Haiti e na República Dominicana
2003. Curso História da Música nos EUA. Seminário de Musicologia da Universidade de Bonn
2003. Diálogos em instituições do Caribe: Jamaica, Santiago de Cuba, S. Domingos
2005. Diálogos sobre relações transatlânticas em universidades do Caribe:Universidade de Porto Rico. São João; Centro Cultural de Aruba; Museu da Música Puertorriqueña. Ponce, Porto Rico
2007. Conferência sobre a Música na América em Bad Naumheim
Atualidade do tema
A atualidade da retomada desses estudos transatlânticos sob o aspecto musicológico decorreu da visita à Europa do presidente dos EUA G.W.Bush em 2005. As suas palavras foram por muitos consideradas como um sinal de uma nova e promissora fase nas relações transatlânticas. Durante anos, os observadores explicaram a perda de importância do relacionamento transatlântico com o colapso da União Soviética. Outros apontavam que essa explicação seria insuficiente, pois considerava os acontecimentos apenas sob a perspectiva dos interesses políticos, não levando em conta as relações humanas e culturais.
Aqueles que defendiam o entendimento internacional com base em valores comuns e laços históricos sofreram a oposição de intelectuais antiamericanos que marcavam as reflexões e discussões em universidades. Levantavam-se questões e dirigiam a atenção a diferenças existentes em termos de mentalidades, pontos de vista, interesses e abordagens.
Um dos impulsos para a realização do curso sobre as relações transatlânticas sob a perspectiva da pesquisa musical foi alocução de Karsten D. Voigt, Coordenador para a Cooperação Alemã-Americana no Ministério Federal das Relações Exteriores, na Universidade Humboldt em Berlim, em 11 de fevereiro de 2004.
D. Vogt lembrou que o ataque de 11 de setembro foi percebido como um ataque a todo o mundo ocidental. Citou os laços tradicionalmente estreitos entre a Europa e os EUA, que são mais fortes do que em outras regiões do mundo, como razões pelas quais os europeus se relacionam estreitamente com os americanos. Ambos têm uma história cultural e intelectual comum e compartilham os mesmos valores básicos em relação à democracia, aos direitos humanos, ao estado de direito e à economia de mercado.
Voigt também considerou diferenças, salientando que a terminologia religiosa do discurso americano e a importância atribuída à religião seriam uma de suas razões. De acordo com Voigt, um pré-requisito para a renovação das relações transatlânticas seria um conhecimento mais profundo de ambas as partes. Se as diferenças fossem conscientemente reconhecidas e seus antecedentes analisados, seria mais fácil entender as diferentes posições. Seria desejável que as instituições ajudassem a promover esse conhecimento e, assim, contribuíssem para o entendimento mútuo.
Uma das principais razões para distanciamentos - a importância da religião - devia ser examinada com mais profundidade. Voigt lembrou que os Estados Unidos foram construídos por refugiados religiosos, batistas, quakers e menonitas, de modo que se deveria demonstrar mais compreensão pela relação diferente entre religião e Estado nos EUA e em países europeus. No entanto, ele também destacou que as religiões também estavam mudando, de modo que o protestantismo americano se aproximava cada vez mais da psicologia, enquanto o pensamento religioso na Europa se aproximava da filosofia.
Embora a idéia dos Estados Unidos como nação estivesse baseada em fundamentos seculares, os grupos evangélicos estavam ganhando cada vez mais influência em todas as áreas. Entretanto, o olhar europeu era direcionado quase que exclusivamente para os centros seculares nas costas leste e oeste.
Essa atenção necessária à religião, especialmente aos evangélicos na América, como um fator de distanciamentos, trouxe à consciência a importância da música nos debates transatlânticos.Como os estudos hinológicos vem revelando há décadas, o canto, a prática instrumental e as questões musicais estiveram sempre intimamente ligadas à transmissão, à disseminação e ao surgimento de correntes religiosas. Outro aspecto importante dos estudos transatlânticos é a imigração, e nela a de latinos; o aumento dos grupos populacionais de formação cultural predominantemente católica também tem implicações músico-culturais.
Se os estudos transatlânticos não devem se limitar às relações entre a Alemanha e os Estados Unidos, correspondendo à perspectiva alemã do transatlantismo, o curso se concentrou principalmente nas relações entre a Alemanha e os EUA. Foram discutidos eventos e projetos musicais que expressaram cooperação ou serviram ao entendimento transatlântico.
Músicos de destaque de diferentes épocas que estudaram na Europa e atuaram nos Estados Unidos foram considerados no decorrer das sessões do curso. Foi dada atenção especial às relações entre a Alemanha e os EUA na própria musicologia, incluindo a recepção de posições acadêmicas norte-americanas na pesquisa musical alemã, em pafticular na Etnomusicologia.
Alguns aspectos das reflexões
A produção musical e o pensamento musical nos EUA têm tido uma influência decisiva na vida musical e nos estudos musicais na Europa há décadas. Sem o jazz, o rock e outras tendências da cultura musical popular da América do Norte, a trajetória da música popular na Europa no século XX não poderia ser estudada.
A criação de música contemporânea na Europa também recebeu e continua recebendo inspiração decisiva dos compositores norte-americanos. As tendências teóricas da arte e os conceitos científicos dos renomados centros de pesquisa musical dos EUA são recebidos pela musicologia européia e, muitas vezes, determinam o desenvolvimento da área. A Etnomusicologia foi, talvez, a mais sujeita a essas influências teóricas e metodológicas, elas podem porem também ser constatadas nos estudos histórico-musicais.
Tendências pós-modernas e pós-estruturalistas na Europa foram, em alguns casos, decorrentes da recepção de correntes de pensamento da Europa nos EUA. Desenvolvimentos na pesquisa e criação musical nos EUA são não raro resultado da influência de musicólogos e compositores que tiveram que deixar a Europa, em particular na década de 1930. Vários músicos dos EUA estudaram na Europa desde o século XIX e transmitiram os impulsos que receberam.
Os colonos de vários países europeus já haviam estabelecido as bases para o desenvolvimento da vida musical e das tradições musicais. A história do intercâmbio mútuo é caracterizada por uma fascinante complexidade, persistência, renovação e mudança. Atualmente, evidencia-se que um interesse por essas inter-relações numa história musical comum não é suficiente. Novas abordagens para a análise desses processos culturais são necessárias para que se possa examinar criticamente as consequências de um desenvolvimento colonial e expansivo iniciado há mais de 500 anos. As relações transatlânticas, que englobam a Europa, a África e a América devem ser vinculadas aos processos culturais interamericanos, como já salientado no Fórum de Música de 1983.
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